segunda-feira, 13 de setembro de 2010

NATUREZA E SOCIEDADE (RCNEI - Vol 3)

O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural. A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas as especificidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências Humanas e Naturais.

PRESENÇA DOS CONHECIMENTOS SOBRE

NATUREZA E SOCIEDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

IDÉIAS E PRÁTICAS CORRENTES

Determinados conteúdos pertinentes às áreas das Ciências Humanas e Naturais sempre estiveram presentes na composição dos currículos e programas de educação infantil.

Na maioria das instituições, esses conteúdos estão relacionados à preparação das crianças para os anos posteriores da sua escolaridade, como no caso do trabalho voltado para o desenvolvimento motor e de hábitos e atitudes, no qual é fundamental a aquisição de procedimentos como copiar, repetir e colorir produções prévias (desenhos, exercícios etc.).

Algumas práticas valorizam atividades com festas do calendário nacional: o Dia do Soldado, o Dia das Mães, o Dia do Índio, o Dia da Primavera, a Páscoa etc. Nessas ocasiões, as crianças são solicitadas a colorir desenhos mimeografados pelos professores, como coelhinhos, soldados, bandeirinhas, cocares etc., e são fantasiadas e enfeitadas com chapéus, faixas, espadas e pinturas. Apesar de certas ocasiões comemorativas propiciarem aberturas para propostas criativas de trabalho, muitas vezes os temas não ganham profundidade e nem o cuidado necessário, acabando por difundir estereótipos culturais e favorecendo pouco a construção de conhecimentos sobre a diversidade de realidades sociais, culturais, geográficas e históricas. Em relação aos índios brasileiros, por exemplo, as crianças, em geral, acabam desenvolvendo uma noção equivocada de que todos possuem os mesmos hábitos e costumes: vestem-se com tangas e penas de aves, pintam o rosto, moram em ocas, alimentam-se de mandioca etc. As crianças ficam sem ter a oportunidade de saber que há muitas etnias indígenas no Brasil e que há grandes diferenças entre elas.

Outra proposta comum nas instituições de educação infantil são as atividades voltadas para o desenvolvimento da noção de tempo e espaço. Nessas práticas, geralmente, os conteúdos são tratados de forma desvinculada de suas relações com o cotidiano, com os costumes, com a História e com o conhecimento geográfico construído na relação entre os homens e a natureza. Em algumas práticas, tem sido priorizado o trabalho que parte da idéia de que a criança só tem condições de pensar sobre aquilo que está mais próximo a ela e, portanto, que seja materialmente acessível e concreto; e também da idéia de que, para

ampliar sua compreensão sobre a vida em sociedade, é necessário graduar os conteúdos de acordo com a complexidade que apresentam. Assim, para que elas possam conhecer algo sobre os diferentes tipos de organização social, devem centrar sua aprendizagem, primeiro sobre os grupos menores e com estruturas mais simples e, posteriormente, sobre as organizações sociais maiores e mais complexas. Dessa forma, desconsideram-se o interesse, a imaginação e a capacidade da criança pequena para conhecer locais e histórias distantes no espaço e no tempo e lidar com informações sobre diferentes tipos de relações sociais.

Propostas e práticas escolares diversas que partem fundamentalmente da idéia de que falar da diversidade cultural, social, geográfica e histórica significa ir além da capacidade de compreensão das crianças têm predominado na educação infantil. São negadas informações valiosas para que as crianças reflitam sobre paisagens variadas, modos distintos  de ser, viver e trabalhar dos povos, histórias de outros tempos que fazem parte do seu cotidiano.

No trabalho com os conteúdos referentes às Ciências Naturais, por sua vez, algumas instituições limitam-se à transmissão de certas noções relacionadas aos seres vivos e ao corpo humano. Desconsiderando o conhecimento e as idéias que as crianças já possuem, valorizam a utilização de terminologia técnica, o que pode constituir uma formalização de conteúdos não significativa para as crianças. Um exemplo disso são as definições ensinadas de forma descontextualizadas sobre os diversos animais: “são mamíferos” ou “são anfíbios” etc., e as atividades de classificar animais e plantas segundo categorias definidas pela Zoologia e pela Biologia. Desconsidera-se assim a possibilidade de as crianças exporem suas formulações para posteriormente compará-las com aquelas que a ciência propõe.

Algumas práticas também se baseiam em atividades voltadas para uma formação moralizante, como no caso do reforço a certas atitudes relacionadas à saúde e à higiene.

Muitas vezes nessas situações predominam valores, estereótipos e conceitos de certo/errado, feio/bonito, limpo/sujo, mau/bom etc., que são definidos e transmitidos de modo preconceituoso.

Outras práticas de Ciências realizam experiências pontuais de observação de pequenos animais ou plantas, cujos passos já estão previamente estabelecidos, sendo conduzidos pelo professor. Nessas atividades, a ênfase recai apenas sobre as características imediatamente perceptíveis. Em muitas situações, os problemas investigados não ficam explícitos para as crianças e suas idéias sobre os resultados do experimento, bem como suas explicações para os fenômenos, não são valorizadas.

O trabalho com os conhecimentos derivados das Ciências Humanas e Naturais deve ser voltado para a ampliação das experiências das crianças e para a construção de conhecimentos diversificados sobre o meio social e natural. Nesse sentido, refere-se à pluralidade de fenômenos e acontecimentos — físicos, biológicos, geográficos, históricos e culturais —, ao conhecimento da diversidade de formas de explicar e representar o mundo, ao contato com as explicações científicas e à possibilidade de conhecer e construir novas formas de pensar sobre os eventos que as cercam.

É importante que as crianças tenham contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo, sejam instigadas por questões significativas para observá-los e explicá-los e tenham acesso a modos variados de compreendê-los e representá-los.

Os conhecimentos socialmente difundidos e as culturas dos diversos povos do presente e de outras épocas apresentam diferentes respostas para as perguntas sobre o mundo social e natural. Por exemplo, para os antigos hindus, a Terra tinha a forma plana e era sustentada por diversos animais. Para os ianomâmis, o mundo está dividido em três terras: a “terra de cima”, que é muito velha e cheia de rachaduras por onde escoam as águas dos rios e dos lagos, formando a chuva que cai sobre a “terra do meio”, que é o lugar onde vivem os seres humanos; e a “terra de baixo”, que, mais recente, está sob nossos pés.

Para algumas crianças, na perspectiva da superfície terrestre, a Terra pode parecer um  grande disco plano recoberto por um gigantesco guarda-chuva — o céu. Assim, diferentes  formas de compreender, explicar e representar elementos do mundo coexistem e fazem parte do repertório sociocultural da humanidade. Os mitos e as lendas representam uma das muitas formas de explicar os fenômenos da sociedade e da natureza e permitem reconhecer semelhanças e diferenças entre conhecimentos construídos por diferentes povos
e culturas.
 
O conhecimento científico socialmente construído e acumulado historicamente, por  sua vez, apresenta um modo particular de produção de conhecimento de indiscutível importância no mundo atual e difere das outras formas de explicação e representação do mundo, como as lendas e mitos ou os conhecimentos cotidianos, ditos de “senso comum”.

Por meio da ciência, pode-se saber, por exemplo, que a Terra é esférica, ligeiramente achatada nos pólos. As descobertas científicas, ao longo da história, marcaram a relação entre o homem e o mundo. Se por um lado o conhecimento científico imprime novas possibilidades de relação do homem com o mundo, por outro, as transformações dessa relação permitem que algumas idéias sejam modificadas e que novas teorias e novos conhecimentos sejam produzidos. Ainda que revistos e modificados ao longo do tempo e em função de novas descobertas, algumas idéias, hipóteses e teorias e alguns diagnósticos produzidos em diferentes momentos da história possuem uma inegável importância no processo de construção do conhecimento científico atual.

O trabalho com este eixo, portanto, deve propiciar experiências que possibilitem uma aproximação ao conhecimento das diversas formas de representação e explicação do mundo social e natural para que as crianças possam estabelecer progressivamente a diferenciação que existe entre mitos, lendas, explicações provenientes do “senso comum” e conhecimentos científicos.
 

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