segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A CRIANÇA E A MATEMÁTICA (RCNEI - Vol.3)

As noções matemáticas (contagem, relações quantitativas e espaciais etc.) são


construídas pelas crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com o

meio, pelo intercâmbio com outras pessoas que possuem interesses, conhecimentos e

necessidades que podem ser compartilhados. As crianças têm e podem ter várias

experiências com o universo matemático e outros que lhes permitem fazer descobertas,

tecer relações, organizar o pensamento, o raciocínio lógico, situar-se e localizar-se

espacialmente. Configura-se desse modo um quadro inicial de referências lógicomatemáticas

que requerem outras, que podem ser ampliadas. São manifestações de

competências, de aprendizagem advindas de processos informais, da relação individual e

cooperativa da criança em diversos ambientes e situações de diferentes naturezas, sobre as

quais não se tem planejamento e controle. Entretanto, a continuidade da aprendizagem

matemática não dispensa a intencionalidade e o planejamento. Reconhecer a potencialidade

e a adequação de uma dada situação para a aprendizagem, tecer comentários, formular

perguntas, suscitar desafios, incentivar a verbalização pela criança etc., são atitudes

indispensáveis do adulto. Representam vias a partir das quais as crianças elaboram o

conhecimento em geral e o conhecimento matemático em particular.

Deve-se considerar o rápido e intenso processo de mudança vivido pelas crianças

nessa faixa etária. Elas apresentam possibilidades de estabelecer vários tipos de relação

(comparação, expressão de quantidade), representações mentais, gestuais e indagações,

deslocamentos no espaço.

Diversas ações intervêm na construção dos conhecimentos matemáticos, como recitar

a seu modo a seqüência numérica, fazer comparações entre quantidades e entre notações

numéricas e localizar-se espacialmente. Essas ações ocorrem fundamentalmente no convívio

social e no contato das crianças com histórias, contos, músicas, jogos, brincadeiras etc.

As respostas de crianças pequenas a perguntas de adultos que contenham a palavra

“quantos?” podem ser aleatoriamente “três”, “cinco”, para se referir a uma suposta

quantidade. O mesmo ocorre às perguntas que contenham “quando?”. Nesse caso, respostas

como “terça-feira” para indicar um dia qualquer ou “amanhã” no lugar de “ontem” são

freqüentes. Da mesma forma, uma criança pequena pode perguntar “quanto eu custo?” ao

subir na balança, no lugar de “quanto eu peso?”. Esses são exemplos de respostas e perguntas

não muito precisas, mas que já revelam algum discernimento sobre o sentido de tempo e

quantidade. São indicadores da permanente busca das crianças em construir significados,

em aprender e compreender o mundo.

À medida que crescem, as crianças conquistam maior autonomia e conseguem levar

adiante, por um tempo maior, ações que tenham uma finalidade, entre elas atividades e

jogos. As crianças conseguem formular questões mais elaboradas, aprendem a trabalhar

diante de um problema, desenvolvem estratégias, criam ou mudam regra de jogos, revisam

o que fizeram e discutem entre pares as diferentes propostas.
 
Jogos e brincadeiras


Às noções matemáticas abordadas na educação infantil correspondem uma variedade

de brincadeiras e jogos, principalmente aqueles classificados como de construção e de

regras.

Vários tipos de brincadeiras e jogos que possam interessar à criança pequena

constituem-se rico contexto em que idéias matemáticas podem ser evidenciadas pelo adulto

por meio de perguntas, observações e formulação de propostas. São exemplos disso cantigas,

brincadeiras como a dança das cadeiras, quebra-cabeças, labirintos, dominós, dados de

diferentes tipos, jogos de encaixe, jogos de cartas etc.

Os jogos numéricos permitem às crianças utilizarem números e suas representações,

ampliarem a contagem, estabelecerem correspondências, operarem. Cartões, dados,

dominós, baralhos permitem às crianças se familiarizarem com pequenos números, com a

contagem, comparação e adição. Os jogos com pistas ou tabuleiros numerados, em que se

faz deslocamento de um objeto, permitem fazer correspondências, contar de um em um,

de dois em dois etc. Jogos de cartas permitem a distribuição, comparação de quantidades,

a reunião de coleções e a familiaridade com resultados aditivos. Os jogos espaciais permitem

às crianças observarem as figuras e suas formas, identificar propriedades geométricas dos

objetos, fazer representações, modelando, compondo, decompondo ou desenhando. Um

exemplo desse tipo de jogo é a modelagem de dois objetos em massa de modelar ou argila,

em que as crianças descrevem seu processo de elaboração.

Pelo seu caráter coletivo, os jogos e as brincadeiras permitem que o grupo se estruture,

que as crianças estabeleçam relações ricas de troca, aprendam a esperar sua vez, acostumemse

a lidar com regras, conscientizando-se que podem ganhar ou perder.

Organização do tempo

As situações de aprendizagem no cotidiano das creches e pré-escolas podem ser

organizadas de três maneiras: as atividades permanentes, os projetos e as seqüências de

atividades.

Atividades permanentes são situações propostas de forma sistemática e com

regularidade, mas não são necessariamente diárias. A utilização do calendário assim como

a distribuição de material, o controle de quantidades de peças de jogos ou de brinquedos

etc., no cotidiano da instituição pode atrair o interesse das crianças e se caracterizar como

atividade permanente. Para isso, além de serem propostas de forma sistemática e com

regularidade, o professor deverá ter o cuidado de contextualizar tais práticas para as crianças
 
transformando-as em atividades significativas e organizando-as de maneira que representem


um crescente desafio para elas. Pelo fato de essas situações estarem dentro de uma

instituição educacional, requerem planejamento e intenção educativa.

É preciso lembrar que os jogos de construção e de regras são atividades permanentes

que propiciam o trabalho com a Matemática.

As seqüências de atividades se constituem em uma série de ações planejadas e

orientadas com o objetivo de promover uma aprendizagem

específica e definida. São seqüenciadas para oferecer

desafios com graus diferentes de complexidade.

Pode-se, por exemplo, organizar com as crianças,

uma seqüência de atividades envolvendo a ação

de colecionar pequenos objetos, como

pedrinhas, tampinhas de garrafa,

conchas, folhas, figurinhas etc.

Semanalmente, as crianças trazem

novas peças e agregam ao que já possuíam,

anotam, acompanham e controlam o crescimento de suas

coleções em registros. O professor propõe o confronto dos

registros para que o grupo conheça diferentes estratégias,

experimente novas formas e possa avançar em seus

procedimentos de registro. Essas atividades, que se desenvolverão ao longo de vários dias,

semanas ou meses, permitem às crianças executar operações de adição, de subtração, assim

como produzir e interpretar notações numéricas em situações nas quais isso se torna

funcional. Por outro lado, é possível comparar, em diferentes momentos da constituição da

coleção, as quantidades de objetos colecionados por diferentes crianças, assim como ordenar

quantidades e notações do menor ao maior ou do maior ao menor. Estes problemas tornamse

mais complexos conforme aumentam as coleções. O aumento das quantidades com a

qual se opera funciona como uma “variável didática”, na medida em que exige a elaboração

de novas estratégias, ou seja, uma coisa é agregar 4 elementos a uma coleção de 5, e outra

bem diferente é agregar 18 a uma coleção de 25. As estratégias, no último caso, podem ser

diversas e supõem diferentes decomposições e recomposições dos números em questão. É

comum, por exemplo, as crianças utilizarem “risquinhos” ou outras marcas para anotar a

quantidade de peças que possuem, sem necessariamente corresponder uma marca para

cada objeto.

Ao confrontar os diferentes tipos de registro, surgem questões, como ter de contar

tudo de novo. Dessa forma, analisando e discutindo seus procedimentos, as crianças podem

experimentar diferentes tipos de registro até achar o que consideram mais adequados.

Conforme a quantidade de peças aumenta, surgem novos problemas: “como desenhar

todas aquelas peças?”, “como saber qual número corresponde àquela quantidade?”. Usar o

conhecimento que possuem para buscar a solução de seu problema é tarefa fundamental
 
Uma das formas de procurar resolver essa questão é utilizar a correspondência termo a


termo e a contagem associada a algum referencial numérico, como fita métrica, balança

etc. Essa busca de soluções para problemas reais que surgem ao longo do registro e da

contagem, levando as crianças a estabelecerem novas relações, refletir sobre seus

procedimentos, argumentar sobre aquelas que consideram a melhor forma de organização

de suas coleções, possibilita um avanço real nas suas estratégias.

Projetos são atividades articuladas em torno da obtenção de um produto final, visível

e compartilhado com as crianças, em torno do qual são organizadas as atividades. A

organização do trabalho em projetos possibilita divisão de tarefas e responsabilidades e

oferece contextos nos quais a aprendizagem ganha sentido. Organizar uma festa junina ou

construir uma maquete são exemplos de projetos. Cada projeto envolve uma série de

atividades que também se organiza numa seqüência.
 
Observação, registro e avaliação formativa


Considera-se que a aprendizagem de noções matemáticas na educação infantil esteja

centrada na relação de diálogo entre adulto e crianças e nas diferentes formas utilizadas

por estas últimas para responder perguntas, resolver situações-problema, registrar e

comunicar qualquer idéia matemática. A avaliação representa, neste caso, um esforço do

professor em observar e compreender o que as crianças fazem, os significados atribuídos

por elas aos elementos trabalhados nas situações vivenciadas. Esse é um processo relacionado

NATUREZA E SOCIEDADE (RCNEI - Vol 3)

O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural. A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas as especificidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências Humanas e Naturais.

PRESENÇA DOS CONHECIMENTOS SOBRE

NATUREZA E SOCIEDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

IDÉIAS E PRÁTICAS CORRENTES

Determinados conteúdos pertinentes às áreas das Ciências Humanas e Naturais sempre estiveram presentes na composição dos currículos e programas de educação infantil.

Na maioria das instituições, esses conteúdos estão relacionados à preparação das crianças para os anos posteriores da sua escolaridade, como no caso do trabalho voltado para o desenvolvimento motor e de hábitos e atitudes, no qual é fundamental a aquisição de procedimentos como copiar, repetir e colorir produções prévias (desenhos, exercícios etc.).

Algumas práticas valorizam atividades com festas do calendário nacional: o Dia do Soldado, o Dia das Mães, o Dia do Índio, o Dia da Primavera, a Páscoa etc. Nessas ocasiões, as crianças são solicitadas a colorir desenhos mimeografados pelos professores, como coelhinhos, soldados, bandeirinhas, cocares etc., e são fantasiadas e enfeitadas com chapéus, faixas, espadas e pinturas. Apesar de certas ocasiões comemorativas propiciarem aberturas para propostas criativas de trabalho, muitas vezes os temas não ganham profundidade e nem o cuidado necessário, acabando por difundir estereótipos culturais e favorecendo pouco a construção de conhecimentos sobre a diversidade de realidades sociais, culturais, geográficas e históricas. Em relação aos índios brasileiros, por exemplo, as crianças, em geral, acabam desenvolvendo uma noção equivocada de que todos possuem os mesmos hábitos e costumes: vestem-se com tangas e penas de aves, pintam o rosto, moram em ocas, alimentam-se de mandioca etc. As crianças ficam sem ter a oportunidade de saber que há muitas etnias indígenas no Brasil e que há grandes diferenças entre elas.

Outra proposta comum nas instituições de educação infantil são as atividades voltadas para o desenvolvimento da noção de tempo e espaço. Nessas práticas, geralmente, os conteúdos são tratados de forma desvinculada de suas relações com o cotidiano, com os costumes, com a História e com o conhecimento geográfico construído na relação entre os homens e a natureza. Em algumas práticas, tem sido priorizado o trabalho que parte da idéia de que a criança só tem condições de pensar sobre aquilo que está mais próximo a ela e, portanto, que seja materialmente acessível e concreto; e também da idéia de que, para

ampliar sua compreensão sobre a vida em sociedade, é necessário graduar os conteúdos de acordo com a complexidade que apresentam. Assim, para que elas possam conhecer algo sobre os diferentes tipos de organização social, devem centrar sua aprendizagem, primeiro sobre os grupos menores e com estruturas mais simples e, posteriormente, sobre as organizações sociais maiores e mais complexas. Dessa forma, desconsideram-se o interesse, a imaginação e a capacidade da criança pequena para conhecer locais e histórias distantes no espaço e no tempo e lidar com informações sobre diferentes tipos de relações sociais.

Propostas e práticas escolares diversas que partem fundamentalmente da idéia de que falar da diversidade cultural, social, geográfica e histórica significa ir além da capacidade de compreensão das crianças têm predominado na educação infantil. São negadas informações valiosas para que as crianças reflitam sobre paisagens variadas, modos distintos  de ser, viver e trabalhar dos povos, histórias de outros tempos que fazem parte do seu cotidiano.

No trabalho com os conteúdos referentes às Ciências Naturais, por sua vez, algumas instituições limitam-se à transmissão de certas noções relacionadas aos seres vivos e ao corpo humano. Desconsiderando o conhecimento e as idéias que as crianças já possuem, valorizam a utilização de terminologia técnica, o que pode constituir uma formalização de conteúdos não significativa para as crianças. Um exemplo disso são as definições ensinadas de forma descontextualizadas sobre os diversos animais: “são mamíferos” ou “são anfíbios” etc., e as atividades de classificar animais e plantas segundo categorias definidas pela Zoologia e pela Biologia. Desconsidera-se assim a possibilidade de as crianças exporem suas formulações para posteriormente compará-las com aquelas que a ciência propõe.

Algumas práticas também se baseiam em atividades voltadas para uma formação moralizante, como no caso do reforço a certas atitudes relacionadas à saúde e à higiene.

Muitas vezes nessas situações predominam valores, estereótipos e conceitos de certo/errado, feio/bonito, limpo/sujo, mau/bom etc., que são definidos e transmitidos de modo preconceituoso.

Outras práticas de Ciências realizam experiências pontuais de observação de pequenos animais ou plantas, cujos passos já estão previamente estabelecidos, sendo conduzidos pelo professor. Nessas atividades, a ênfase recai apenas sobre as características imediatamente perceptíveis. Em muitas situações, os problemas investigados não ficam explícitos para as crianças e suas idéias sobre os resultados do experimento, bem como suas explicações para os fenômenos, não são valorizadas.

O trabalho com os conhecimentos derivados das Ciências Humanas e Naturais deve ser voltado para a ampliação das experiências das crianças e para a construção de conhecimentos diversificados sobre o meio social e natural. Nesse sentido, refere-se à pluralidade de fenômenos e acontecimentos — físicos, biológicos, geográficos, históricos e culturais —, ao conhecimento da diversidade de formas de explicar e representar o mundo, ao contato com as explicações científicas e à possibilidade de conhecer e construir novas formas de pensar sobre os eventos que as cercam.

É importante que as crianças tenham contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo, sejam instigadas por questões significativas para observá-los e explicá-los e tenham acesso a modos variados de compreendê-los e representá-los.

Os conhecimentos socialmente difundidos e as culturas dos diversos povos do presente e de outras épocas apresentam diferentes respostas para as perguntas sobre o mundo social e natural. Por exemplo, para os antigos hindus, a Terra tinha a forma plana e era sustentada por diversos animais. Para os ianomâmis, o mundo está dividido em três terras: a “terra de cima”, que é muito velha e cheia de rachaduras por onde escoam as águas dos rios e dos lagos, formando a chuva que cai sobre a “terra do meio”, que é o lugar onde vivem os seres humanos; e a “terra de baixo”, que, mais recente, está sob nossos pés.

Para algumas crianças, na perspectiva da superfície terrestre, a Terra pode parecer um  grande disco plano recoberto por um gigantesco guarda-chuva — o céu. Assim, diferentes  formas de compreender, explicar e representar elementos do mundo coexistem e fazem parte do repertório sociocultural da humanidade. Os mitos e as lendas representam uma das muitas formas de explicar os fenômenos da sociedade e da natureza e permitem reconhecer semelhanças e diferenças entre conhecimentos construídos por diferentes povos
e culturas.
 
O conhecimento científico socialmente construído e acumulado historicamente, por  sua vez, apresenta um modo particular de produção de conhecimento de indiscutível importância no mundo atual e difere das outras formas de explicação e representação do mundo, como as lendas e mitos ou os conhecimentos cotidianos, ditos de “senso comum”.

Por meio da ciência, pode-se saber, por exemplo, que a Terra é esférica, ligeiramente achatada nos pólos. As descobertas científicas, ao longo da história, marcaram a relação entre o homem e o mundo. Se por um lado o conhecimento científico imprime novas possibilidades de relação do homem com o mundo, por outro, as transformações dessa relação permitem que algumas idéias sejam modificadas e que novas teorias e novos conhecimentos sejam produzidos. Ainda que revistos e modificados ao longo do tempo e em função de novas descobertas, algumas idéias, hipóteses e teorias e alguns diagnósticos produzidos em diferentes momentos da história possuem uma inegável importância no processo de construção do conhecimento científico atual.

O trabalho com este eixo, portanto, deve propiciar experiências que possibilitem uma aproximação ao conhecimento das diversas formas de representação e explicação do mundo social e natural para que as crianças possam estabelecer progressivamente a diferenciação que existe entre mitos, lendas, explicações provenientes do “senso comum” e conhecimentos científicos.
 

ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O PROFESSOR (RCNEI - vol 3)

+ Ambiente alfabetizador
+ Organização do Tempo


Ambiente alfabetizador


Diz-se que um ambiente é alfabetizador quando promove um conjunto de situações de usos reais de leitura e escrita nas quais as crianças têm a oportunidade de participar. Se os adultos com quem as crianças convivem utilizam a escrita no seu cotidiano e oferecem a elas a oportunidade de presenciar e participar de diversos atos de leitura e de escrita, elas podem, desde cedo, pensar sobre a língua e seus usos, construindo idéias sobre como se lê e como se escreve.

Na instituição de educação infantil, são variadas as situações de comunicação que necessitam da mediação pela escrita. Isso acontece, por exemplo, quando se recorre a uma instrução escrita de uma regra de jogo, quando se lê uma notícia de jornal de interesse das crianças, quando se informa sobre o dia e o horário de uma festa em um convite de aniversário, quando se anota uma idéia para não esquecê-la ou quando o professor envia um bilhete para os pais e tem a preocupação de lê-lo para as crianças, permitindo que elas
se informem sobre o seu conteúdo e intenção.

Todas as tarefas que tradicionalmente o professor realizava fora da sala e na ausência das crianças, como preparar convites para as reuniões de pais, escrever uma carta para uma criança que está se ausentando, ler um bilhete deixado pelo professor do outro período etc., podem ser partilhadas com as crianças ou integrarem atividades de exploração dos diversos usos da escrita e da leitura.

A participação ativa das crianças nesses eventos de letramento configura um ambiente alfabetizador na instituição. Isso é especialmente importante quando as crianças provêm de comunidades pouco letradas, em que têm pouca oportunidade de presenciar atos de leitura e escrita junto com parceiros mais experientes. Nesse caso, o professor torna-se uma referência bastante importante. Se a educação infantil trouxer os diversos textos utilizados nas prática sociais para dentro da instituição, estará ampliando o acesso ao mundo
letrado, cumprindo um papel importante na busca da igualdade de oportunidades.

Algumas vezes, o termo “ambiente alfabetizador” tem sido confundido com a imagem de uma sala com paredes cobertas de textos expostos e, às vezes, até com etiquetas nomeando móveis e objetos, como se esta fosse uma forma eficiente de expor as crianças à escrita. É necessário considerar que expor as crianças às práticas de leitura e escrita está relacionado com a oferta de oportunidades de participação em situações nas quais a escrita e a leitura se façam necessárias, isto é, nas quais tenham uma função real de expressão e
comunicação.

A experiência com textos variados e de diferentes gêneros é fundamental para a constituição do ambiente de letramento. A seleção do material escrito, portanto, deve estar guiada pela necessidade de iniciar as crianças no contato com os diversos textos e de facilitar a observação de práticas sociais de leitura e escrita nas quais suas diferentes funções e características sejam consideradas. Nesse sentido, os textos de literatura geral e infantil, jornais, revistas, textos publicitários etc. são os modelos que se pode oferecer às crianças para que aprendam sobre a linguagem que se usa para escrever.

O professor, de acordo com seus projetos e objetivos, pode escolher com que gêneros vai trabalhar de forma mais contínua e sistemática, para que as crianças os conheçam bem.

Por exemplo, conhecer o que é uma receita culinária, seu aspecto gráfico, formato em lista, combinação de palavras e números que indicam a quantidade dos ingredientes etc., assim como as características de uma poesia, histórias em quadrinhos, notícias de jornal etc.

Alguns textos são adequados para o trabalho com a linguagem escrita nessa faixa etária, como, por exemplo, receitas culinárias; regras de jogos; textos impressos em embalagens, rótulos, anúncios, slogans, cartazes, folhetos; cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.); convites; diários (pessoais, das crianças da sala etc.); histórias em quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas e trava-línguas; contos (de fadas, de assombração etc.); mitos, lendas, “causos” populares e fábulas; relatos históricos; textos de enciclopédia etc.

Organização do tempo


ATIVIDADES PERMANENTES

Contar histórias costuma ser uma prática diária nas instituições de educação infantil. Nesses momentos, além de contar, é necessário ler as histórias e possibilitar seu reconto pelas crianças. É possível também a leitura compartilhada de livros em capítulos, o que possibilita às crianças o acesso, pela leitura do professor, a textos mais longos.

Outra atividade permanente interessante é a roda de leitores em que periodicamente as crianças tomam emprestado um livro da instituição para ler em casa. No dia previamente combinado, as crianças podem relatar suas impressões, comentar o que gostaram ou não, o que pensaram, comparar com outros títulos do mesmo autor, contar uma pequena parte da história para recomendar o livro que a entusiasmou às outras crianças.

A leitura e a escrita também podem fazer parte das atividades diversificadas, por meio de ambientes organizados para: • leitura — são organizados de forma atraente, num ambiente aconchegante, livros de diversos gêneros, de diferentes autores, revistas, histórias em quadrinhos, jornais, suplementos, trabalhos de outras crianças etc.;

• jogos de escrita — no ambiente criado para os jogos de mesa, podem-se oferecer jogos gráficos, como caça-palavras, forca, cruzadinhas etc. Nesses casos, convém deixar à disposição das crianças cartelas com letras, letras móveis etc.

• faz-de-conta — a criação de ambientes para brincar no interior ou fora da sala possibilita a ampliação contextualizada do universo discursivo, trazendo para o cotidiano da instituição novas formas de interação com a linguagem. Esse espaço pode conter diferentes caixas previamente organizadas pelo professor para incrementar o jogo simbólico das crianças, nas quais tenham diversos materiais gráficos, próprios às diversas situações cotidianas que os ambientes do faz-de-conta reproduzem, como embalagens diversas, livros de receitas, blocos para escrever, talões com impressos diversos etc.


Observação, registro e avaliação formativa (RCNEI - Vol 2)

A observação das formas de expressão das crianças, de suas capacidades de concentração e envolvimento nas atividades, de satisfação com sua própria produção e com suas pequenas conquistas é um instrumento de acompanhamento do trabalho que poderá ajudar na avaliação e no replanejamento da ação educativa.

No que se refere à avaliação formativa, deve-se ter em conta que não se trata de avaliar a criança, mas sim as situações de aprendizagem que foram oferecidas. Isso significa dizer que a expectativa em relação à aprendizagem da criança deve estar sempre vinculada às oportunidades e experiências que foram oferecidas a ela. Assim, pode-se esperar, por exemplo, que a criança identifique seus colegas pelo nome apenas se foi dado a ela oportunidade para que pudesse conhecer o nome de todos e pudesse perceber que isso, além de ser algo importante e valorizado, tem uma função real.

No que se refere à formação da identidade e ao desenvolvimento progressivo da independência e  autonomia, são apontadas aqui aprendizagens prioritárias para crianças até os três anos de idade: reconhecer o próprio nome, o nome de algumas crianças de seu grupo e dos adultos responsáveis por ele e valorizar algumas de suas conquistas pessoais.

Para que a criança possa compreender seu próprio nome e o das outras pessoas como uma forma de identificação, é necessário que os adultos e as outras crianças utilizem o nome próprio de cada um com esse fim. Assim, chamar as crianças sempre pelo nome e facilitar que elas se chamem, entre si, pelo nome próprio sempre que isso for desejável, em vez de apelidos depreciativos ou pronomes que diluem a identidade, como “ele” ou “ela”, bem como utilizar o nome para identificar pertences pessoais, são algumas das condições necessárias para que essa aprendizagem ocorra. Da mesma forma, é importante que as crianças saibam o nome do professor.

A valorização das suas conquistas pessoais, sejam elas comer sem ajuda, conhecer o nome de todos, cantar uma música, fazer um desenho etc. pode ser uma atitude esperada das crianças desde que tenha havido condições para que elas próprias avaliem de forma positiva suas ações e, da mesma forma, recebam uma avaliação positiva delas. O professor pode ajudar as crianças a perceberem seu desenvolvimento e promover situações que favoreçam satisfazer-se com suas ações. Uma expressão de aprovação diante de novas conquistas é uma das ações que pode ajudar as crianças a valorizarem suas conquistas.

Uma conversa mostrando-lhes como faziam “antes” e como já conseguem fazer “agora” se configura num momento importante de avaliação para as crianças.

A partir dos três e até os seis anos, pode-se esperar que as crianças manifestem suas preferências, seus desejos e desagrados, que demonstrem o desejo de independência em relação aos adultos no que se refere às ações cotidianas.

Para que as crianças possam manifestar suas preferências, seus desejos e desagrados é necessário que elas percebam que tais manifestações são recebidas e levadas em consideração. Uma criança que percebe que suas colocações, sejam elas expressas verbalmente ou de outra forma, são desconsideradas, tende a desistir de fazê-lo e acreditar que suas tentativas são inócuas. Isso não significa dizer que todas as queixas e desejos das crianças devam ser satisfeitos, mas sim que devem ser ouvidos e sempre respondidos. Se não há possibilidade de atendê-los, é uma boa atitude deixar isso claro para a criança e explicitar a razão da negativa.

Para que as crianças possam se tornar cada vez mais independentes do adulto, é necessário que elas tenham tido a chance de comprovar que são capazes. Isso pode ser facilitado tanto por meio de experiências concretas, em que elas experimentam agir sem ajuda, como também por meio de estímulos diante das tentativas feitas. Algumas constatações que parecem óbvias aos adultos — como dizer “você já está conseguindo amarrar os cadarços do seu sapato sozinho” — para as crianças muitas vezes possuem uma


importância grande, pois representam uma avaliação sobre sua competência, confirmando lhes sua independência e reforçando sua auto-estima. Uma vez que tenham tido a possibilidade de arriscar e experimentar sua capacidade de realizar ações sem ajuda, pode-se, então, esperar que elas manifestem cada vez mais o desejo de ser independentes do adulto.

Ainda no que se refere à observação das crianças, algumas de suas manifestações podem sinalizar desconforto, e devem ser compreendidas e considerados pelo professor no planejamento de suas ações.

O choro infantil é uma delas. Na relação com cada criança, o professor vai percebendo o significado do choro em cada situação, atendendo a criança quando ela sinalizar alguma necessidade que, para ser suprida, requer a mediação do adulto. Dependendo de sua intensidade, o choro pode, mais do que mobilizar, irritar o adulto, deixando-o num estado de tensão que acaba por dificultar o encaminhamento da situação. O esforço para compreender as necessidades expressas pelas crianças, bem como suas reações, auxilia o professor a manter a calma necessária para encontrar formas de resolver a situação.

Destacam-se, ainda, duas situações relacionadas ao processo de construção da identidade que merecem atenção especial do professor e de outros profissionais da instituição, por estarem relacionadas diretamente com a auto-estima.

Uma delas refere-se a algumas crianças que podem manifestar falta de confiança em si próprias ou exibir atitudes de autodesvalorização. Para o planejamento das ações a serem realizadas, será necessária uma observação cuidadosa das crianças em questão, buscando compreender as situações que contribuem para esse sentimento. A valorização de suas competências e características positivas é uma orientação que pode ser útil para que se reverta esse quadro.

A outra diz respeito a manifestações de preconceitos e discriminações dirigidas a algumas crianças. Essas situações devem ser alvo de reflexão dos educadores para que avaliem sua prática e a da instituição. Além do diálogo, pode-se planejar a realização de projetos específicos, em que a questão-alvo de preconceito seja trabalhada com as crianças.


Para que as observações não se percam e possam ser utilizadas como instrumento de trabalho, é necessário que sejam registradas.

RCNEI - Vol 2 - Organização do Tempo

Organização do tempo


ATIVIDADES PERMANENTES

Todas as atividades permanentes do grupo contribuem, de forma direta ou indireta, para a construção da identidade e o desenvolvimento da autonomia, uma vez que são competências que perpassam todas as vivências das crianças. Algumas delas, como a roda de conversas e o faz-de-conta, porém, constituem-se em situações privilegiadas para a explicitação das características pessoais, para a expressão dos sentimentos, emoções, conhecimentos, dúvidas e hipóteses quando as crianças conversam entre si e assumem diferentes personagens nas brincadeiras.

A oferta permanente de atividades diversificadas em um mesmo tempo e espaço é uma oportunidade de propiciar a escolha pelas crianças. Organizar, todos os dias, diferentes atividades, tais como cantos para desenhar, para ouvir música, para pintar, para olhar livros, para modelar, para jogos de regras etc., auxilia o desenvolvimento da autonomia.

Uma parte significativa da auto-estima advém do êxito conseguido diante de diferentes tipos de desafios. Nesse sentido, a obtenção de êxito, por parte das crianças, na realização de algumas ações é um ponto que merece atenção. Para que se possa garantir que as crianças tenham êxito em suas ações, é preciso conhecer as possibilidades de cada uma e delinear um planejamento que inclua ações ao mesmo tempo desafiadoras e possíveis de serem realizadas por elas. Dessa forma, propiciar situações em que as crianças possam fazer algumas coisas sozinhas, ou com pouca ajuda, deixá-las descobrir formas de resolver os problemas colocados, elogiar suas conquistas, explicitando a elas a avaliação de como seu crescimento tem trazido novas competências são algumas ações que auxiliam nessa tarefa.

A arrumação da sala após uma atividade, é um exemplo que contém várias ações que elas podem realizar sozinhas ou com pouca ajuda. Considerar um tempo ao final de cada atividade dedicado para a arrumação é uma boa oportunidade para que elas possam de um lado, aprender a cooperar e perceber que a arrumação é algo da responsabilidade de todos.

De outro lado, essa atividade pode permitir que elas percebam que são capazes de realizar ações de forma independente, como guardar materiais, brinquedos, varrer a sala, jogar restos de papel no lixo, devolver  materiais que foram tomados emprestados de outras salas ou locais da instituição etc. É bastante provável que no início o professor tenha de apoiar e supervisionar a ação das crianças. A arrumação gasta tempo, por isso deve ser considerada uma atividade em si e, como tal, ser planejada. Pode ser feito um quadro em que as tarefas de cada um no momento de arrumação são marcadas, de forma que todas as crianças saibam qual a sua tarefa daquele dia e possam, além disso, conferir que todos irão experimentar todas as modalidades.

Outras atividades permanentes merecem um destaque pela visibilidade que oferecem às crianças de suas próprias competências. Permitem às crianças realizar sozinhas algumas das ações para as quais elas já têm competência e que muitas vezes, por questões de organização, são realizadas pelos adultos, como servir o prato de comida ou cuidar de sua higiene pessoal.

Na hora da refeição, é importante deixar que as crianças sirvam-se sozinhas. Se, no início, elas terão necessidade de alguma ajuda, em pouco tempo poderão ter a sua competência ampliada. Isso demanda algumas condições, tais como um tempo maior para as refeições, oferta de pratos, talheres, travessas e jarras adequados para o tamanho e capacidade motora das crianças, arranjo do espaço que permita mobilidade, entre outras coisas. Não se deve esquecer que a organização da instituição deve estar a serviço da ação educativa e não o contrário.

O banho, lavar as mãos, escovar os dentes etc. são outras possibilidades de atividades permanentes que auxiliam a independência das crianças, contribuindo para a sua autoestima.

SEQÜÊNCIA DE ATIVIDADES

A construção da identidade e a conquista da autonomia pelas crianças são processos que demandam tempo e respeito às suas características individuais. Nessa medida, algumas atividades propostas de forma seqüenciada podem ajudá-las nesse processo. Considerandose que são muitas as possibilidades de trabalho que envolvem este eixo, pois estão associadas às diversas características pessoais, culturais e sociais dos grupos de crianças, pensar nas seqüências de atividades implica planejar experiências que se organizam em etapas diferenciadas e com graus de dificuldades diversos.

Para que as crianças aprendam a comer sozinhas, por exemplo, os professores podem planejar situações que ampliem gradativamente suas capacidades de segurar os talheres, colocar a comida na boca etc.

Vários projetos relacionados ao faz-de-conta podem ser desenvolvidos, tais como a construção de um cenário para uma viagem intergalática; a confecção de fantasias para brincar de bumba-meu-boi; construir castelos de reis e rainhas; cenas de histórias e contos de fadas etc. Pode-se planejar um projeto de realização de um circo, por exemplo, com todas as crianças da instituição, envolvendo cada grupo em função da idade e das suas capacidades. O grupo dos grandes pode definir as personagens, os meios e os materiais a serem utilizados, assim como definirem quando e para quem será destinado. Podem, também, confeccionar fantasias para os pequenos, para que participem de seu circo ou que criem pequenos circos em sala.

Projetos que visem discutir a identidade cultural brasileira também são interessantes. Dada a diversidade que constitui as manifestações culturais deste país, um projeto com esse objetivo pode tomar diferentes rumos. Por exemplo, pode-se enfocar as danças próprias a diferentes regiões, as comidas ou vestimentas típicas, pode-se fazer um levantamento das diferentes maneiras de se chamar um mesmo brinquedo. Há uma infinidade de perspectivas que devem ser escolhidas em função do perfil e dos interesses das crianças que compõem o grupo.

A realização de projetos sobre a diversidade étnica que compõe o povo brasileiro é um recurso importante para tratar de forma mais objetiva a questão da identidade. Conhecer a história e a cultura dos vários povos que para cá vieram é de grande valia para resgatar o valor de todas as etnias presentes no Brasil, o que pode ajudar a diluir as manifestações de preconceito, alargando a visão de mundo dos elementos do grupo.

Para que se trabalhe de forma mais completa o sentimento de ser brasileiro e a identidade nacional, pode ser interessante também percorrer realidades mais distantes, de outros países, de outros povos. Por exemplo, ao se pesquisar os costumes e a geografia de civilizações distantes da moderna, são oferecidos parâmetros para que as crianças tenham mais consciência desses elementos presentes na sua cidade ou região.

A diversidade de crença religiosa, traço presente na sociedade brasileira, pode também ser tema de projetos. Comumente essa diversidade está presente nas famílias que seguem diversas religiões ou nenhuma.

domingo, 12 de setembro de 2010

O ESPAÇO FÍSICO E SUA RELAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA

Por: Vera Lucia Costa Hank



RESUMO



Esta pesquisa apresenta uma discussão sobre a influência do espaço físico no desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos, tendo como finalidade discutir a importância do espaço físico no desenvolvimento e aprendizagem da criança, bem como as interações entre os pares e o papel do educador nos espaços oferecidos para a criança. Esta pesquisa foi realizada baseada em revisão bibliográfica, considerados os seus principais referenciais teóricos: Vygotsky e Wallon a partir de autores como: Carvalho & Rubiano (2001), Gandini (1990), Horn (2004), Lima (2001), Oliveira (2000), Z. Oliveira (2001), os quais discutem a importância da interação entre os pares e da organização dos espaços, do papel do educador e também como se dá à relação da criança com o meio proporcionado a ela e com as diferentes culturas apresentadas. Os espaços que se constituem dentro do contexto da educação infantil devem ser preparados para criança e com a criança respeitando o direito que toda criança tem de buscar construir a sua autonomia, sua identidade bem como, o seu próprio conhecimento e ao educador infantil cabe o papel de alguém que reconhece a sua verdadeira e importante função dentro dos espaços, participando como alguém que por ser mais experiente tem muito a planejar, intervir, mediar e proporcionar aos seus educandos.



Palavras-chave: Espaço; Interação; Aprendizagem.



1 INTRODUÇÃO



Buscando uma perspectiva de sucesso para o desenvolvimento e aprendizagem do educando no contexto da educação infantil o espaço físico torna-se um elemento indispensável a ser observado. A organização deste espaço deve ser pensada tendo como principio oferecer um lugar acolhedor e prazeroso para a criança, isto é, um lugar onde as crianças possam brincar, criar e recriar suas brincadeiras sentindo-se assim estimuladas e independentes. Diferentes ambientes se constituem dentro de um espaço. De acordo com Horn (2004, p. 28):

É no espaço físico que a criança consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções [...] nessa dimensão o espaço é entendido como algo conjugado ao ambiente e vice-versa. Todavia é importante esclarecer que essa relação não se constitui de forma linear. Assim sendo, em um mesmo espaço podemos ter ambientes diferentes, pois a semelhança entre eles não significa que sejam iguais. Eles se definem com a relação que as pessoas constroem entre elas e o espaço organizado.

O espaço criado para a criança deverá estar organizado de acordo com a faixa etária da criança, isto é, propondo desafios cognitivos e motores que a farão avançar no desenvolvimento de suas potencialidades. O espaço deve estar povoado de objetos que retratem a cultura e o meio social em que a criança está inserida. Gandini (1990, p.150) diz que: “o espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem de muitas formas e, em um exame cuidadoso, revela até mesmo as camadas distintas dessa influência cultural”.



Reconhecendo que a criança é fortemente marcada pelo meio social em que se desenvolve, e que também deixa suas próprias marcas neste meio, que tem a sua família como o seu principal referencial, apesar de todas as relações que ocorrem em todos os níveis sociais, o espaço infantil deve priorizar remeter a história da criança para o seu contexto e através disto promover a troca de saberes entre as crianças. Segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998, vol 1, p. 21-22): “as crianças constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressifignificação”. As interações que ocorrem dentro dos espaços são de grande influência no desenvolvimento e aprendizagem da criança.



O educador não deve ser visto como figura central do processo de ensino aprendizagem, mas sim como alguém mais experiente que aprende e permite ao educando aprender de forma mais lúdica possível. Devemos destruir a crença de que a criança só aprende se um professor ensinar, e de que só o professor é responsável pelo desenvolvimento de todas as potencialidades da criança. A criança através do meio cultural, da suas interações com o meio seja em um trabalho individual ou coletivo é a verdadeira construtora do seu conhecimento. De acordo com Oliveira (2000, p.158):

O ambiente, com ou sem o conhecimento do educador, envia mensagens e, os que aprendem, respondem a elas. A influência do meio através da interação possibilitada por seus elementos é contínua e penetrante. As crianças e ou os usuários dos espaços são os verdadeiros protagonistas da sua aprendizagem, na vivência ativa com outras pessoas e objetos, que possibilita descobertas pessoais num espaço onde será realizado um trabalho individualmente ou em pequenos grupos.

Os espaços construídos para criança e com a criança devem ser explorados pela mesma, em uma relação de interação total, de aprendizagem, de troca de saberes entre os pares, de liberdade de ir e vir, de prazer, de individualidades, de partilhas, enfim, de se divertir aprendendo.



2 OBJETIVO



Este estudo tem como finalidade discutir a importância do espaço físico no desenvolvimento e aprendizagem da criança, bem como as interações entre os pares e o papel do educador nos espaços oferecidos para a criança.





3 METODOLOGIA



Esta pesquisa foi realizada baseada em revisão bibliográfica, sendo considerados os seus principais referenciais teóricos: Vygotsky, Horn, Lima, Oliveira, Z. Oliveira, Referencial Curricular para a Educação Infantil e Gandini, os quais discutem a importância da interação entre os pares e da organização dos espaços do brincar, na Educação Infantil.





4 O ESPAÇO FÍSICO E SUA RELAÇÃO COM A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA



Desde que nasce a criança precisa de espaços que ofereçam liberdade de movimentos, segurança e que acima de tudo possibilitem sua socialização com o mundo e com as pessoas que a rodeiam. Espaços estes de direito de todas as crianças sejam eles: públicos, privados, institucionais ou naturais. Segundo Lima (2001, p.16): “o espaço é muito importante para a criança pequena, pois muitas, das aprendizagens que ela realizará em seus primeiros anos de vida estão ligadas aos espaços disponíveis e/ou acessíveis a ela”.



Segundo Piaget citado por Kramer (2000, p. 29): “o desenvolvimento resulta de combinações entre aquilo que o organismo traz e as circunstâncias oferecidas pelo meio [...] e que os esquemas de assimilação vão se modificando progressivamente, considerando os estágios de desenvolvimento”. Todo ser humano carrega desde sua concepção conhecimentos e através da interação com o meio vai desenvolvendo estes conhecimentos. Piaget considera a interação indivíduo / meio apenas sem considerar as interações entre as crianças e suas diferentes culturas. Vygotsky já enfatiza a troca de conhecimentos que ocorrem através das interações entre individuo / meio/ individuo.



Segundo Vygotsky: “o ser humano cresce num ambiente social e a interação com outras pessoas é essencial ao seu desenvolvimento”. (apud DAVIS e OLIVEIRA, 1993, p. 56). Portanto um ambiente estimulante para a criança é aquele em que ela se sente segura e ao mesmo tempo desafiada, onde ela sinta o prazer de pertencer a aquele ambiente e se identifique com o mesmo e principalmente um ambiente em que ela possa estabelecer relações entre os pares. Um ambiente que permite que o educador perceba a maneira como a criança transpõe a sua realidade, seus anseios, suas fantasias. Os ambientes devem ser planejados de forma a satisfazer as necessidades da criança, isto é, tudo deverá estar acessível à criança, desde objetos pessoais como também os brinquedos, pois só assim o desenvolvimento ocorrerá de forma a possibilitar sua autonomia, bem como sua socialização dentro das suas singularidades.



Os espaços devem ser organizados de forma a desafiar a criança nos campos: cognitivo, social e motor. Oportunizando a criança de andar, subir, descer e pular, através de várias tentativas, assim a criança estará aprendendo a controlar o próprio corpo, um ambiente que estimule os sentidos das crianças, que permitam a elas receber estimulação do ambiente externo, como cheiro de flores, de alimentos sendo preparados. Sentindo a brisa do vento, o calor do sol, o ruído da chuva. Experimentando também diferentes texturas: liso, áspero, duro, macio, quente, frio. Carvalho & Rubiano (2001, p.111) dizem que: “a variação da estimulação deve ser procurada em todos os sentidos: cores e formas; músicas e vozes; aromas e flores e de alimentos sendo feitos; oportunidades para provar diferentes sabores”.



Personalizar o ambiente é muito importante para a construção da identidade pessoal da criança, tornar a criança competente é desenvolver nela a autonomia e a independência. Ao oferecer um ambiente rico e variado se estimulam os sentidos e os sentidos são essenciais no desenvolvimento do ser humano. A sensação de segurança e confiança é indispensável visto que mexe com o aspecto emocional da criança. Oportunizando as crianças de interagirem e em certos momentos que desejarem ficarem sozinhas brincando. David & Weinstein citados por Carvalho e Rubiano (2001, p.109) afirmam que:



Todos os ambientes construídos para crianças deveriam atender cinco funções relativas ao desenvolvimento infantil, no sentido de promover: identidade pessoal, desenvolvimento de competência, oportunidades para crescimento, sensação de segurança e confiança, bem como oportunidades para contato social e privacidade.

4.1 ESPAÇOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: SUA RELAÇÃO COM A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA



O Brinquedo faz parte da vida da criança independente do nível social ou cultural a que pertence. Segundo Horn (2004, p.70): “o brinquedo sempre fez parte da vida das crianças, independentemente de classe social ou cultural em que está inserida”. É intrínseco da criança o hábito do brincar. Até mesmo ao se alimentar, a criança brinca com os alimentos. Portanto ao proporcionar diversos espaços para a criança brincar e agir dentro do espaço, se estará propondo novos desafios que tornarão a criança um agente da sua própria aprendizagem de forma mais lúdica.



Vygotsky citado por Rego (2002, p.80): “considera o brinquedo uma importante fonte de promoção de desenvolvimento. Afirma que, apesar do brinquedo não ser o aspecto predominante da infância, ele exerce uma enorme influência no desenvolvimento infantil”. Portanto não devemos conceber a infância longe do brinquedo visto a importância do mesmo aqui referenciada. E principalmente de proporcionar o brinquedo em ambientes preparados para que a criança brinque com liberdade de ação e em total interação com outras crianças.



Brincar para a criança é principalmente estar presente no ambiente, se constituindo como individuo e compartilhando significados. Brincar em um ambiente aconchegante, que retrate a identidade da criança e de livre acesso ao mesmo, é fundamental no seu desenvolvimento, visto que se estará promovendo a interação entre criança / criança, criança / educador e até mesmo respeitando os momentos em que a criança prefere brincar sozinha, pois só assim se respeitará a individualidade da criança. Segundo Carvalho & Rubiano (2001, p.109):

...é altamente recomendável que ambientes institucionais ofereçam oportunidade para as crianças desenvolverem sua individualidade, permitindo-lhes ter seus próprios objetos, personalizar seu espaço e, sempre que possível participar nas decisões sobre a organização do mesmo.

De acordo com Horn (2004, p. 71): “o brinquedo satisfaz as necessidades básicas de aprendizagens das crianças, como, por exemplo as de escolher, imitar, dominar, adquirir competências, enfim de ser ativo em um ambiente seguro, o qual encoraje e consolide o desenvolvimento de normas e valores sociais”. Ajuda no desenvolvimento da confiança em si mesmo e em suas capacidades e, em situações sociais, ajuda-os a julgar as muitas variáveis presentes nas interações sociais e a ser empático em relação aos outros. As crianças que brincam em diversos ambientes ricos de informações e demonstram interesse por estar ali brincando, adquirem conhecimentos e transmitem conhecimentos, através da interação com seus pares. Sendo eles os próprios construtores do seu conhecimento com a mediação de alguém mais experiente. De acordo com Fantin (2000, p. 53) :





Brincando (e não só) a criança se relaciona, experimenta, investiga e amplia seus conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo que está ao seu redor. Através da brincadeira podemos saber como as crianças vêem o mundo e como gostariam que fosse, expressando a forma como pensam, organizam e entendem esse mundo. Isso acontece porque, quando brinca, a criança cria uma situação imaginária que surge a partir do conhecimento que possui do mundo em que os adultos agem e no qual precisa aprender a viver.



Ao brincar a criança expressa seus anseios, sua maneira de como está percebendo o mundo que a cerca e principalmente está vivendo a sua infância. Tem também suas necessidades satisfeitas que são: adquirir novos conhecimentos, habilidades, pensamentos e entendimentos coerentes e lógicos. Reconhecendo-se em um meio e como parte do mesmo, ela cria sua própria brincadeira interagindo com todos que a rodeiam. Temos aí então a importância de se oferecer um espaço povoado de objetos disponíveis e acessíveis à criança.



Brincando nos espaços com seus brinquedos e objetos variados e escolhendo o espaço que deseja brincar e com quem deseja brincar, é uma atividade enriquecedora visto que, as trocas de saberes que ocorrerão naturalmente através das diversas linguagens sejam elas:oral, corporal, gestual, musical retratando a realidade de cada um. A criança ao agir com fantasia é estimulada a usar de criatividade, usando como parâmetro o seu mundo infantil.





4.2 A INTERVENÇÃO DO EDUCADOR



O brincar é sempre estruturado pelo ambiente, pelos materiais ou contexto em que ocorre. Ao educador cabe então participar como uma pessoa mais experiente, que deverá intervir quando necessário e também ter uma participação quando perceber o interesse da criança em tê-lo como parceiro nas brincadeiras, possibilitando assim, o desenvolvimento da criança, proporcionando momentos de interação, acesso à cultura, permitindo a criança principalmente viver a sua própria infância. De acordo com Lima (2001, p.27) :

Consciente da importância da ação que realiza, possibilitando mediações de várias naturezas, o adulto passa a atender os processos da criança com um significado que só pode ser construído tendo como referencial a criança no período de formação em que ela está e não no adulto feito que será.



Um ambiente carente de recursos, onde tanto a criança quanto o adulto vêem somente paredes e espaços vagos é um ambiente sem vida, que não propõe desafios cognitivos à criança e não amplia o conhecimento. Portanto ao educador cabe planejar os espaços para a criança e com a criança, visando o meio cultural em que a criança está inserida, promovendo interações em grupos para que possam assim: criar, trocar saberes, imaginar, construir e principalmente brincar. O educador também precisa estar atento ao ambiente pois, segundo Horn (2004, p.15) “o olhar de um educador atento e sensível a todos os elementos que estão postos em uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e móveis, e a forma como as crianças e adultos interagem com eles são reveladores de uma concepção pedagógica”.



A criança desde o nascimento necessita da mediação do outro para se desenvolver, portanto o meio sozinho não dá conta de desenvolvê-lo e é aí que entra o papel do educador e dos colegas através das relações. Segundo Carvalho (2003, p.154): “ao estruturar e organizar continuamente sua sala, o educador favorece o envolvimento das crianças em brincadeiras entre elas, sem necessidade de interferência direta; dessa forma ele fica mais disponível para aquelas crianças que procuram interagir com ele”.



Podemos dizer então que o educador torna-se o mediador entre crianças e os objetos de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articulem os recursos e capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos prévios. O educador constitui-se portanto, um parceiro mais experiente, cuja função é propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável de experiências educativa e social variadas.



O que acontece é que muitas vezes o educador, tem a visão de que: proporcionar a criança o brincar é deixá-la fazer o que quer e onde quer, sem considerar a brincadeira como um processo de organização, de recíproca, de troca de saberes. Cabe ao educador confiar nas crianças e valorizar o seu agir contribuindo para ampliação das descobertas e não apenas estar ao seu lado permitindo toda e qualquer ação. O educador deve considerar a brincadeira segundo o Referencial Curricular Para a Educação Infantil (1998, vol 1, p. 28): “como um meio de poder observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispõe”.





5 CONSIDERAÇÕES FINAIS



A organização dos espaços na educação infantil é fundamental para o desenvolvimento integral da criança, desenvolvendo suas potencialidades e propondo novas habilidades sejam elas: motoras, cognitivas ou afetivas. A criança que vive em um ambiente construído para ela e por ela vivência emoções que a farão expressar sua maneira de pensar, bem como a maneira como vivem e sua relação com o mundo.



As aprendizagens que ocorrem dentro dos espaços disponíveis e ou acessíveis à criança são fundamentais na construção da autonomia, tendo a mesma como própria construtora de seu conhecimento. O conhecimento se constrói a cada momento em que a criança tem a possibilidade de poder explorar os espaços disponíveis a ela.



O papel do adulto no espaço é o de um parceiro mais experiente que promove as interações, que planeja e organiza atividades com o objetivo de através das relações dentro do espaço que oferece, buscar o desenvolvimento integral de todas as potencialidades da criança. O educador deve ter a sua proposta voltada para o bem estar da criança, buscando sempre melhorar a sua prática elaborando sempre novas alternativas de construir o conhecimento de um grupo como um todo, facilitando as interações, promovendo e construindo espaços adequados para as crianças.



Muitas são as propostas apresentadas por vários autores mas que só serão praticadas o dia em que o educador infantil tomar consciência da importância de oferecer espaços ricos de informações na vida das crianças, passando a reconhecer a importância das trocas que ocorrem nos espaços oferecidos como um fator essencial na vida da criança.





6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BRASIL, Referencial Curricular Para a Educação Infantil. Vol. 1. Brasília: MEC/SEI, 1998.



CARVALHO, Maria Campos de. Porque as crianças gostam de áreas fechadas? Espaços circunscritos reduzem as solicitações de atenção do adulto. In: FERREIRA, Maria Clotilde Rosseti. Os Fazeres na Educação Infantil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. cap.47.



CARVALHO, Maria Campos de; RUBIANO, Márcia R. Bonagamba. Organização dos Espaços em Instituições Pré-Escolares. In: OLIVEIRA, Zilma Morais. (org.) Educação Infantil: muitos olhares. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.



DAVIS, Claudia. OLIVEIRA, Zilma. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 1993.



FANTIN, Mônica. Jogos e brinquedos e brincadeiras – A cultura lúdica na educação infantil. In: Síntese da qualificação da educação infantil. Florianópolis: Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria Municipal de Educação: 2000.



GANDINI, Lella. Espaços Educacionais e de Envolvimento Pessoal. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Réggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda.,1999.



HORN, Maria da Graça de Souza. Sabores, cores, sons, aromas. A organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.



KRAMER, Sônia. Com a pré-escola nas mãos. São Paulo: Ática, 2000.



LIMA, Elvira de Souza. Como a criança pequena se desenvolve. São Paulo: Sobradinho, 2001.



OLIVEIRA, Vera Barros de. O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000.



OLIVEIRA, Zilma de M. Ramos. A criança e seu desenvolvimento. Perspectiva para se discutir a educação infantil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.



OLIVEIRA, Zilma de M. Ramos. Educação Infantil: muitos olhares. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.



REGO, Teresa C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

LEITURA

Matéria do 2º. Bimestre (foi remanejada pela Profa. Dioni para o 3º. Bimestre)




Unidade 6: A Leitura

Unidade 7: Implicações metodológicas para aquisição da leitura





O QUE É LER



A atividade fundamental desenvolvida pela escola para a formação dos alunos é a leitura. É muito mais importante saber ler do que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a leitura. Se um aluno não se sair muito bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, penso que a escola cumpriu em grande parte sua tarefa. Se, porém, outro aluno tiver notas excelentes em tudo, mas não se tornar um bom leitor, sua formação será profundamente defeituosa e ele terá menos chances no futuro do que aquele que, apesar das reprovações, se tornou um bom leitor.



A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida terá de ser conseguindo através da leitura fora da escola. A leitura é uma herança maior do que qualquer diploma.



A grande maioria dos problemas que os alunos encontram ao longo dos anos de estudo, chegando até a pós-graduação, é decorrente de problemas de leitura. O aluno muitas vezes não resolve problemas de matemática, não porque não saiba matemática, mas porque não sabe ler o enunciado do problema. Ele sabe somar, dividir, etc... mas ao ler um problema não sabe o que fazer com os números e a relação destes com as realidades a que se referem. Não adianta dizer que o aluno não sabe nem sequer somar ou dividir números que não apresentam dificuldades, que ele não entende matemática... Porque de fato ele não entende mesmo é o português que lê. Não foi treinado para ler números, relações quantitativas, problemas de matemática. O professor de português não ensina isso porque diz que é obrigação do professor de matemática e o professor de matemática ou não desconfia do problema ou, quando muito, acha que ler e compreender um texto é um problema que o professor de português deve resolver na educação das crianças. E as crianças ficam sem as necessárias explicações. Mas a escola cobra que ela saiba isso e se vire com perfeição e rapidez.



Quantos alunos se saem mal, nas provas de qualquer matéria, depois de terem estudado o assunto muito bem, de saberem a matéria como deviam, justamente porque não entendem, ou entendem errado o que lhes é perguntado! Uma coisa é estudar a matéria, outra coisa é saber responder a perguntas que a escola faz a respeito daquele assunto. Não falo de ensino programado, que reduz tudo a um condicionamento pelo texto, mas penso que a escola precisa ensinar os alunos a ler e a entender não só as palavras, as histórias das antologias, mas também os textos específicos de cada matéria, as provas de cada área, as instruções de como fazer algo etc. A leitura não pode ficar restrita à literatura e ao noticiário.



Ler é uma atividade extremamente complexa e envolve problemas não só semânticos, culturais, ideológicos, filosóficos, mas até fonéticos. Podemos ler sequências de números de maneira diferentes, dependendo daquilo a que eles se referem. Alguns alunos tem dificuldades na matemática porque não sabem ler os números corretamente. Os números não são feitos só de algarismos. A combinação de algarismos expressa por si, no todo, realidades matemáticas que tem propriedades específicas. Por exemplo, nos números fracionários (dois quintos), o denominador é lido com numerais ordinais, mas a ordem característia típica desses numerais na linguagem comum não tem nada a ver com a relação fracionária. Não basta ensinar só as relações matermáticas: é preciso ensinar também o português que a matemática usa.



Tudo o que se ensina na escola está diretamente ligado à leitura e depende dela para se manter e se desenvolver.



A leitura é a realização do objetivo da escrita. Quem escreve, escreve para ser lido. O objetivo da escrita, como já disse inúmeras vezes, é a leitura. Como vimos, o mundo da escrita já é complicado e caótico no seu aspecto gráfico, quanto mais se juntarmos a isso o mundo dos significados carregados pela escrita. A leitura vai operar justamente nesse universo. Às vezes, ler é um processo de descoberta, como a busca do saber científico. Outras vezes requer um trabalho paciente, perseverante, dasafiador, semelhante à pesquisa laboratorial. A leitura pode também ser superficial, sem grandes pretensões, uma atividade lúdica, como um jogo de bola em que os participantes jamis se preocupam com a lei da graviade, a cinética e a balística, mas nem por isso deixam de jogar bola com gosto e perfeição.



Como se observa, podemos ter várias atitudes perante a leitura. Ela é uma atividade profundamente individual e duas pessoas dificilmente fazer uma mesma lietura de um texto, mesmo científico. Ao contrário da escrita, que é uma atividade de exteriorizar o pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de conhecimento, de interiorização, de reflexão. Por isso, a escola que não lê muito está fadada ao insucesso, e não sabe aproveitar o melhor que tem para oferecer aos seus alunos. Há um dito popular que diz que a leitura é o alimento da alma. Nada mais verdadeiro. As pessoas que não leem são pessoas vazias ou subnutridas de conhecimento. É claro que a experiência da vida não se reduz à leitura. A vida como tal é a grande mestra. Algumas pessoas analfabetas conseguem, às vezes, se sair bem economicamente, mas nem por isso deixam de ser pessoas vazias. Têm a riqueza externa, sabem se virar na sociedade, mas são pobres culturalmente, porque só a experiência da vida, por mais rica que possa ser, não é suficiente para fornecer uma cultura sólida e geral.



Às vezes se referem à experiência da vida como “leitura de mundo”. A leitura de mundo é obviamente uma metáfora, mas nem por isso deixa de ser algo tão importante para cada um quanto a própria filosofia de vida.



A leitura a que me refiro de maneira particular é a leitura lingúistica, baseada na escrita, portanto, reveladora de uma interpretação que o leitor faz da interpretação que o escritor fez da sua “leitura de mundo”.



A leitura é, pois, uma decifração e uma decodificação. O leitor deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, depois entender a linguagem encontrada, em seguida decodificar todas as implicações que o texto tem e, finalmente, refletir sobre isso e formar o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu. A leitura sem decifração não funciona adequadamente, assim como sem a decodificação e demais componentes referentes à interpretação, se torna estéril e sem grande interesse. A leitura é uma atividade estritamente linguística e a linguagem se monta com a fusão de significados com significantes. É falso dizer que se pode ler só pelo significado ou só pelo significante, porque só um ou outro jamais constituem uma realidade linguistica. Acho incrível que até linguistas digam coisas desse tipo, esquecendo-se deste aspecto lógico, elementar, da própria natureza da linguagem humana.



Os signos linguísticos atuam pela convencionalidade social. A escrita atua pela convencionalidade da representação gráfica dos signos, e a leitura também tem a sua convencionalidade guiada não só pelos elementos lingúisticos mas também pelos elementos culurais, ideológicos, filosóficos etc, do leitor. Para falantes de uma mesma língua, ler um mesmo texto pode gerar interpretações diferentes, baseadas na estrutura de conhecimento de cada um. Uma criança não lê do mesmo jeito que uma criança de um meio social rico; nenhuma delas provavelmente lerá da mesma maneira que a professora. Também aqui não se deve concluir que uma lê bem e a outra lê mal; todas leem de maneiras diferentes. O significado de um texto para um menino pobre de periferia não precisa ser idêntico ao significado do mesmo texto para um aluno de classe alta da cidade. Lembro-me de uma ocasião em que um órgão do governo estava fazendo campanha nas escolas através de leituras para que o povo aprendesse a se alimentar melhor. No texto dizia que comer carne é bom porque a carne contém muita proteína, que comer peixe também é excelente pela mesma razão etc. Alguns alunos acharam o texto banal, porque afinal de contas eles sempre comeram essas coisas. Outros alunos acharam um ultraje, porque o problema era a falta de dinheiro, de condições para obter o próprio alimento.



Diante das mesmas histórias, certas crianças ficam revoltadas, outras apavoradas, outras, ainda, acham graça e algumas até não entendem o fantástico. Cada uma lê a seu modo. E isso não é mal, mas é o que deve acontecer, e a escola deve respeitar a leitura de cada um. Embora a leitura participe de uma certa convencionalidade, como foi dito anteriormente, é sempre uma obra aberta, jamais fechada. Por mais que um escritor se esforce para restringir a leitura de sua obra a limites bem definidos e controláveis, jamais isso será possível na sua totalidade. Caberá sempre ao leitor interferir na leitura que fará de acordo com seu mundo interior.



Portanto, se a leitura é na sua essência uma atividade individual, a escola não pode torná-la um mero pretexto para avaliar outros elementos, como pronúncia, rapidez de decifração etc.



Porque a leitura é uma atividade ligada essencialmente à escrita e, como há vários tipos de escrita, assim também haverá os correspondentes tipos de leitura. Um sistema de escrita baseado no significado terá um tipo de leitura diferente da leitura de um sistema de escrita baseado no significante, como já se disse antes. Um sistema baseado no significante pode estar mais próximo de um sistema de transcrição fonética do que de um sistema ortográfico. Cada um desses tipos de escrita requer um tipo de leitura próprio. Uma tanscrição fonética exige uma leitura baseada na representação que os símbolos fazem das possibilidades articulatórias do homem, de tal modo que permite um único modo de leitura com relação ao significante. Porém, uma escrita ortográfica permite a leitura de um texto com todas as possibilidades de variação dialetal que a língua oferece. A escola em geral passa aos alunos a falsa ideia de que a ortografia só permite a leitura do significante segundo a fonética do dialeto-padrão que ela usa.



Ao escrever, escolhem-se elementos do conjunto que constitui o sistema da língua. Por isso, toda leitura deve ser feita não só sntagmaticamente (palavra por palavra), como também paradigmaticamente (significado literal das palavras e interpretação pessoal). A escolha de uma palavra e não de outra é significativa, e um bom leitor sabe entender isso. Algumas pessoas fazem em geral uma leitura mutio sintagmática e pouco paradigmática e outros ao contrário. Algumas pessoas não percebem que certas palavras foram usadas, e não outras, porque se queria conseguir efeitos especiais com a escolha. Outras pessoas têm uma série de dificuldades em entender um texto porque esquecem o óbvio, o literal, e se emaranham numa floresta de considerações que tentam ligar com qualquer pretexto ao texto. Controlar devidamente essas coordenadas é realmente uma tarefa difícil.



Um texto escrito nem sempre é montado sintagmaticamente, apesar da aparência linear das letras e das palavras. Um bom exemplo disso são os dicionários. Um outro exemplo típico é a apresentação de dados. Quando analisados e interpretados em tabelas e gráficos, sua leitura é em grande parte dirigida, tendo pontos de partida e chegada mais ou menos bem definidos. Porém, os dados brutos são um conjunto de coisas escritas que não podem ser lidas linearmente. O leitor deve ligar as partes que julgar pertinentes como se resolvesse um quebra-cabeça. Tenho encontrado alunos que diante de uma coletânea de dados não sabem “ler nada”, porque o único tipo de leitura cujo conteúdo são capazes de entender é a leitura de textos lineares. A leitura de dados não se realiza só linearmente, mas interpretativamente, de maneira um tanto semelhante à que ocorre com a leitura de sistemas de escrita baseados no significado e não no significante.



Gostaria de fazer agora aqui algumas considerações específicas com relação ao método de ensino instrumental de línguas estrangeiras baseado na leitura. Há algumas atividades no próprio ensino de português que muito se assemelham a isso e que julgo bastante problemáticas.



O método referido se propõe a dar condições a uma pessoa para que leia sobretudo textos técnicos de sua área de especialização, sem precisar conhecer nada da estrutura da língua, exceto o indispensável para a leitura desses textos. Como o aprendiz é um especialista no assunto do texto que pretende ler, pressupõe-se que ele saiba identificar fatos e relações básicas que tornam a leitura em língua estrangeira um simples identificar desses fatos e relações, com o consequente desenvolvimento do conteúdo científico apresentado no texto. Obviamente, o mais importante neste caso é o domínio de um vocabulário técnico básico e de mais algumas outras palavras de natureza gramatical e estruturas sintáticas específicas da língua estrangeira que permitem a leitura desejada.



Portanto, quando se lê seguindo esse método, procura-se a idéia principal pelo sentido literal e seus desdobramentos. De fato o leitor assim treinado não faz uma leitura linguística propriamente dita, mas procede a uma decifração de enigmas ou à resolução de um quebra-cabeça com elementos que, por acaso, são palavras e estruturas linguísticas. Se o objetivo fosse decifrar um sistema de escrita desconhecido, tal procedimento de descoberta até que poderia ser interessante. O problema e o perigo se colocam quando isso, explícita ou implicitamente, se torna uma explicação lingüística da leitura, da escrita, da linguagem em geral.



A leitura comum, não a decifração arqueológica da escrita, só se realiza através dos mesmos mecanismos de produção da fala. Por exemplo, a velocidade de leitura com compreensão está diretamente ligada à habilidade do leitor como falante da língua. Quem fala a língua com fluência e rapidez é capaz de ler bem e rapidamente, mas quem fala com dificuldade irá ler com dificuldade, porque o funcionamento dos mecanismos de produção da fala ficarão a todo instante comprometidos com as dúvidas, as correções etc. Isto serve não só para uma leitura em língua estrangeira, como também para pessoas que falam um dialeto e aprendem a ler em outro. Ensinar as crianças a ler no próprio dialeto é fundamental para formar bons leitores. A criança que fala numa variedade do português diferente da que a escola usa e que aprende que a leitura deve necessariamente ser feita no dialeto da escola, levará esse hábito para a vida e, quando for ler, precisará fazer um esforço muito grande para conciliar velocidade de leitura e compreensão. Algumas fazem até uma leitura silabada, mesmo lendo silenciosamente, porque foram treinadas pela escola somente nesse tipo de leitura.



Uma pessoa que aprende o uso instrumental de uma língua estrangeira através da leitura aprenderá em tempo curto a decifrar textos sem problemas de linguagem, mas na vida gastará muito mais tempo “lendo” do que uma pessoa que prefere aprender a língua propriamente dita para depois ser bom leitor. A habilidade como falante é decisiva para uma boa leitura e indispensável para uma leitura mais rápida sem comprometer a compreensão.



Um bom leitor que não é falante assume estratégias perante a língua diferentes do que faz um falante. Cria de certo modo uma “língua nova”, em grande parte baseada nas regras de sua própria língua, misturando regras que ele inventa como estratégia pessoal ou que erroneamente pensa que descobriu na língua estrangeira. Tudo isso vai formando o conhecimento que ele tem dessa língua e, se por acaso, depois de certo tempo, resolver ser também um falante ouvinte dessa língua, será um desastre. O trabalho que terá então para se desfazer dos erros e interiorizar as verdadeiras regras da língua será tão grande, que dificilmente conseguirá um bom resultado.







TIPOS DE LEITURA



Por leitura se entende toda manifestação lingüística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado em forma de escrita.



Uma leitura pode ser ouvida, vista ou falada. Um texto escrito pode ser decifrado e decodificado por alguém que traduz o escrito numa realização de fala. Esse tipo de leitura ocorre mais comumente nos primeiros anos de escola, no trabalho de certos profissionais, e em raras situações para a maioria das pessoas. Em geral não lemos em voz alta, fora da escola. E, quando algumas pessoas são solicitadas a ler, envergonham-se, dão desculpas dizendo que não sabem ler direito etc. Isso porque a leitura oral, falada, é vista, em geral, devido aos preconceitos lingüísticos da sociedade, como devendo ser a realização plena do dialeto-padrão no seu nível mais formal. Essa expectativa, associada ao fato de as pessoas saberem que em sua fala e leitura particular dizem as palavras com características dialetais que são mal vistas pelo dialeto-padrão, as inibe ao lerem, não porque não saibam ler, mas porque têm vergonha do próprio dialeto, um preconceito que a escola nunca desfez, ao contrário, sempre incentivou.



A leitura oral é feita não somente por quem lê, mas pode ser dirigida a outras pessoas, que também “lêem” o texto ouvindo-o. Os primeiros contatos das crianças com a leitura ocorrem desse modo. Os adultos lêem histórias para elas. Ouvir histórias é uma forma de ler. A diferença entre ouvir a fala e ouvir a leitura está em que a fala é produzida espontaneamente, ao passo que a leitura é baseada num texto escrito, que tem características próprias diferentes da fala espontânea. Porém, foneticamente as duas atividades são muito semelhantes, com relação ao processamento. Muito do que se ouve na televisão e no rádio são leituras. Uma criança que é muito exposta a essas manifestações tem grandes vantagens na escola sobre aquelas crianças que não tem a mesma chance na vida. Ouvir uma leitura equivale a ler com os olhos, a única diferença reside no canal pelo qual a leitura é conduzida do texto ao cérebro. Na nossa sociedade há muito preconceito com relação a isso.



A nossa cultura durante muito tempo se constituiu de livro escritos e da leitura silenciosa visual (considerada por alguns a verdadeira leitura), preservando-se através deles. Poucas instituições, como os conventos, conservam desde tempos remotos o hábito da leitura pública, em que um leitor lê para a comunidade. Hoje, até as poesias são lidas na solidão de cada um, e ninguém estranha que uma forma lingüística que nasceu para ser ouvida, por suas características rítmicas e melódicas, não seja mais usada em sua plenitude. É quase como um músico que “lê” uma partitura e imagina a música. Ler uma peça de teatro não é o mesmo que vê-la encenada. São dois tipos diferentes de leitura. Nem sempre a leitura visual silenciosa é a mais adequada para certos textos que foram feitos com a intenção de serem lidos oralmente ou ouvidos.



No entanto, não há dúvidas de que a leitura visual silenciosa é muito mais comum entre as pessoas. Sua importância para a vida da maioria delas é muito maior que a dos outros tipos de leitura. A leitura visual tem grandes vantagens sobre os outros dois tipos de leitura. Não só não inibe o leitor por questões lingüísticas, como permite ainda uma velocidade de leitura maior, podendo ele parar onde quiser e recuperar passagens já lidas, o que a leitura oral de um texto não costuma permitir. Daí a conclusão de algumas pessoas de que a leitura também favorece muito a reflexão; tanto é que nos conventos até hoje se fazem meditações dessa maneira. Acontece que na escola se ensina mais comumente aos alunos o uso da leitura visual silenciosa, individual para a reflexão, que o da leitura oral pública. Muitas dessas afirmações que se tornaram proverbiais na Educação são mais fruto de uma prática e de um treinamento específico do que uma verdade em si. Lembro-me de que, quando era criança, muitas pessoas diziam que o cinema iria acabar com a reflexão na leitura, que a televisão iria criar uma geração vazia mentalmente porque não se leria como antes. Encarava-se o simples acompanhar das imagens na tela como um processo de esvaziamento, quando na verdade era um processo muito mais rico de informações para a criança.



A imagem e a letra sempre estiveram em guerra. As letras dominaram o mundo durante muitos séculos, mas tenho a impressão de que a imagem tem ganho as últimas batalhas e a hegemonia das leras está de certa forma comprometida. A imagem e a letra tem características próprias, com vantagens e desvantagens para os textos que produzem.



A escrita, sem a imagem, permite que o leitor imagine e crie um mundo fantástico, próprio para si, onde as personagens ganham as formas que ele deseja e sente. Um outro leitor, a partir da mesma leitura, criará um outro mundo. Certamente haverá muita coisa em comum, mas a criação individual, nesse caso, tem um papel decisivo.



Por outro lado, as imagens em movimento reservam emoções que o texto escrito expressa muito mais francamente. O ideal seria poder manter a experiência da leitura dos textos escritos e a experiência da leitura das imagens dos filmes e da televisão.



A leitura oral, falada ou ouvida, processa-se foneticamente de maneira semelhante à percepção auditiva da fala. A leitura visual, falada ou silenciosa, além de por em funcionamento o mesmo mecanismo de percepção auditiva da fala para a decodificação do texto, precisa por em ação os mecanismos de decifração da escrita. Não existe leitura sem decifração da escrita. Se eu escrever com caracteres japoneses, gregos ou cirílicos, não será possível alguém ler o texto se não for capaz de decifrar a escrita. Pode ser até um texto que o leitor sabe de cor, como uma cantiga de roda, mas, porque não consegue decifrar a escrita, não é nem sequer capaz de desconfiar de que trata aquela grafia estranha. Uma criança que começa a ler encontra dificuldade semelhante. Ler é fácil para quem sabe e, nesse primeiro passo da leitura, a facilidade ou dificuldade do texto se torna irrelevante com relação à dificuldade específica de decifração propriamente dita da escrita. Casa não é uma palavra fácil de ler só porque é de uso comum na fala da pessoa. Depois de decifrada, pode ser de fácil compreensão. É de fácil leitura para quem sabe ler e avalia a dificuldade de leitura somente pela compreensão do texto. Uma criança que vai aprender a ler traz um problema anterior, que é dominar as estratégias de decifração. Para ela isso é o difícil. Se ela conseguir decifrar, compreender o significado de casa é banal, porque ela é falante nativa dessa língua e a palavra lhe é muito familiar.



A escola comete uma injustiça com as crianças não levando em conta essa sua dificuldade, muito real e séria, que é a decifração na leitura. Está errado dizer que a leitura não é decifração da escrita, exigindo-se

da criança que aprenda a ler desempenhando atividades que só o leitor treinado e habilidoso domina. As crianças precisam de um tempo de decifração, que varia de acordo com cada uma.



O processo de decifração pressupõe não só tudo o que se disse a respeito da escrita: o que é, para que serve, como funciona, o que é a ortografia etc, como também exige que o leitor, feita a análise da escrita, remeta isso para o cérebro, a fim de proceder então à programação neurolinguística que irá por em funcionamento os mecanismos de produção da fala correspondente, assim, o leitor poderá compreender o texto programado em muitos aspectos pelo escritor e completado pelo leitor, e, se for o caso, até reproduzir-lo oralmente.



A leitura de um texto escrito não se processa diretamente da “compreensão” da escrita para a “compreensão” do pensamento. A leitura é um ato lingüístico e está essencialmente presa a todo mecanismo de funcionamento da linguagem, da língua específica que está sendo lida. Há um aspecto biológico que vai desde a função cortical da programação lingüística até as modificações aerodinâmicas e musculares da produção e recepção da fala. Às vezes tem-se a impressão de que esses aspectos são esquecidos na prática, e as pessoas passam a agir como se a linguagem fosse apenas um problema de pensamento. A empatia, a cinestesia (propriocepção) são fenômenos tão importantes na produção e percepção da fala quanto da leitura. Por fala se entende a realidade lingüística, a língua na sua plenitude de realização, não apenas os sons da linguagem. Afinal de contas, toda linguagem é constituída de significado e significante. Esses dois aspectos são de fato e sempre indissociáveis no uso da linguagem. Só podem ser separados metodologicamente para análise lingüística e considerações metalingüísticas. Por isso, toda fala e, portanto, toda leitura tem um aspecto de decifração e de decodificação. Encarar tais atividades sem o devido equilíbrio na relação entre esses dois aspectos (significado/significante) é destruir a linguagem humana naquilo que tem como princípio fundamental de sua própria existência.

Algumas pessoas desenvolvem um tipo de leitura que consiste em “ler por alto”. Esse tipo de leitura não acompanha os significantes do texto, mesmo se a escrita é alfabética, mas procura identificar idéias-chave e o que se diz sobre elas. A compreensão do texto é concluída pelo que o autor deduz da concatenação dessas idéias-chave que destacou. Esse tipo de leitura é mais próprio dos sistemas de escrita de base ideográfica, não do significante. Mas é possível, embora mais dificultoso e problemático, nos sistemas alfabéticos.. Esse tipo de leitura num texto cujo conteúdo seja relativamente previsível não é muito problemático, mas, se o texto não for de certo modo previsível, esse tipo de leitura poderá conduzir o leitor a uma falsa interpretação. A grande vantagem desse tipo de leitura é a enorme rapidez com que se podem ler determinados textos, como relatórios, teses, trabalhos acadêmicos etc. Em certos trabalhos se lê da introdução à conclusão com algum cuidado e do resto se faz uma “leitura por alto”. Isso permite uma compreensão razoável de um texto, inclusive no sentido de saber se vale a pena uma leitura mais cuidadosa ou não.



Como se disse antes, a escrita deixa de lado diversos aspectos fonéticos, como o ritmo, a entonação e muitos elementos contextuais que numa fala real ajudam a compreensão do que se diz. Um bom leitor deve recuperar esses elementos que a escrita não reproduz, não se preocupando apenas com o significado do que lê. A própria compreensão dos significados de um certo texto depende desses elementos fonéticos.



Em certas ocasiões, quem lê para outros ouvirem ou diz de cor um texto escrito, precisa de uma leitura expressiva, em que esses elementos supra-segmentais e pragmáticos sejam realizados interpretativamente e de forma a agradar aos ouvintes.



Os alunos, desde as primeiras leituras em voz alta, deveriam ser treinados a fazer uma leitura expressiva. Esse exercício deve ser enfatizado no início porque auxilia a própria compreensão do texto, sobretudo numa fase em que a criança ainda está muito amarrada à decifração da escrita, fazendo com que ela dê mais valor aos aspectos interpretativos do texto fonética e semanticamente. Possibilita que a criança desde cedo não faça aquele tipo de leitura silabada, truncada por pausas, excessivamente vagarosa, sem ritmo, entoação, enfim, sem expressão. A professora precisa, portanto, distinguir a atividade de decifração de letras em palavras da leitura de texto propriamente dita. Para a criança ler um texto é preciso deixar, antes, que o estude, decifre-o e treine sua leitura. Ela não pode lê-lo diretamente. Isso frustra a criança que lê, os colegas que ouvem e a professora, que percebe que não sabe ensinar como ler corretamente.



Os profissionais da leitura, como locutores e atores de teatro e televisão, antes de ler ou representar ensaiam como vão dizer o texto, estudam-no, tentam várias interpretações para obter o melhor resultado. Por que não deixar, na escola, o aluno preparar suas leituras? Por que não ensinar a ele como preparar uma boa leitura? A escola às vezes tem hábitos estranhos de surpreender os alunos, como se eles fossem máquinas sempre prontas a realizar a própria tarefa. Um aluno não lê como um gravador reproduz uma fita. A preparação para uma leitura em voz alta é indispensável.



COMO LER...



Em primeiro lugar, deve-se dizer que a leitura não é a fala da escrita, mas um processo próprio que pressupõe um amadurecimento de habilidades linguísticas em parte diferentes das que ocorrem na produção da fala espontânea. Uma leitura em voz alta, além de levar em conta o que se deve fazer para dizer algo em termos de produção sonora da fala, exige ainda que o leitor acompanhe um raciocínio sobre um pensamento exterior, expresso por outra pessoa, e que ele “declama” como se fosse um ator. A complexidade desse fato é enorme, e muitas vezes a escola não dá conta disso, porque os adultos já amadureceram para a leitura. O esforço da criança que começa a ler é comparável ao esforço que um aprendiz de língua estrangeira faz para ler: é difícil conciliar os elementos fônicos com os elementos semânticos!...



É fato de conhecimento comum que as crianças tem dificuldades para realizar uma leitura fluente, além de apresentarem dificuldades específicas com relação ao entendimento do conteúdo da leitura.



No ato da leitura em voz alta, o leitor deve em primeiro lugar decifrar o que está escrito e depois reproduzir oralmente o que foi decifrado.



Há muitas dificuldades em decifrar a escrita na nossa cultura, e muitas delas advém da própria natureza do sistema de escrita.



Um dos embaraços que a criança encontra quando está aprendendo a ler reside no ajustamento do processo da fala para a leitura. Para falar, começamos com uma organização neurolinguística de um pensamento. No caso da leitura, a pessoa processa uma programação neurolinguística para dizer coisas que não pensou, num longo tempo, a partir das referências que a interpretação dos sinais da escrita lhe proporciona. Essa falta de controle sobre uma extensão relativamente grande do pensamento leva facilmente à produção de uma fala mais vagarosa, podendo, se mal controlada, produzir uma realização fonética silabada, sem o ritmo, a entoação e outras características próprias da fala espontânea. Ás vezes, por razões absurdas, certas professoras de alfabetização induzem os alunos a uma pronúncia completamente artificial dos segmentos que compõem as palavras e de fenômeno supra-segmentais, julgando que assim facilitam o trabalho de leitura da criança.



Além do mais, uma pessoa que lê necessita passar pelas etapas normais de produção de sons da fala, ou seja, mudar a respiração, acertar o ritmo, o acento e a entonação, através da montagem das sílabas, grupos tonais etc, gerar uma corrente de ar, articular os órgãos do aparelho fonador a nível da laringe, da cavidade bucal, controlar a posição do véu palatino e a configuração dos lábios e a posição da mandíbula. E tudo isso variando numa média de doze ajustamentos por segundo. Quando se trata da fala espontânea, que a criança domina bem, tudo é feito com perfeição e rigorosa cronometragem. Porém, na leitura, todas essas etapas, que eram cumpridas inconscientemente, começam a ser, de certo modo, controladas mais conscientemente pelo aprendiz de leitor, para poder realizá-las bem. Essa fase deve passar logo, tornando a leitura um processo tão automático e inconsciente quanto a fala. Porém, se o aluno for forçado, por si ou pela professora, a permanecer na situação de preocupação, ele poderá desenvolver péssimos hábitos de leitura. Um deles é a soletração – ler em ritmo silábico predominantemente, quando deveria ler em ritmo acentual -, além da deturpação fonética da qualidade dos segmentos. Outro aspecto é a falta de controle sobre o pensamento ao longo da leitura: o aluno acaba de ler e não sabe dizer o que leu!



É muito comum encontrar adultos que, quando lêem, assumem uma postura lingüística muito diferente da que usam normalmente. Quando disse que a leitura é diferente da fala, referia-me mais ao processo de produção que ao resultado fonético produzido em cada caso. A leitura deve revelar as características fonéticas da fala portuguesa. Não é porque se está lendo que se deve assumir uma pronúncia especial de leitura. A leitura tem muitos usos e modos de realizar e todos tem um correspondente na fala espontânea.



Depois que o leitor decifrou a escrita, ele tem subsídios para processar o que decifrou em termos de produção de fala. Para tal, deverá lançar mão dos recursos que usa quando fala espontaneamente. Em primeiro lugar, irá alterar o processo de respiração normal para o padrão respiratório e consequentemente mecanismos aerodinâmico típicos da fala. Essa modificação se caracteriza basicamente por organizar uma cadeia de pulsações (musculares e aerodinâmicas) com durações e intensidades relativas, que nada mais são do que a própria produção das sílabas, que variam em duração e tonicidade, produzindo dessa maneira os fluxos rítmicos básicos da fala. Em cima dessa estrutura rítmica, organizada segundo as exigências de cada língua, as modificações do aparelho fonador que produzem as qualidades segmentais e supra-segmentais complementares vão ser montadas. Se o falante percebe que o suporte silábico ao ser preenchido (ou mesmo no próprio ato de se montar) não corresponde à expectativa lingüística, ele interrompe o processo de produção de fala e procura corrigir-se, produzindo a gagueira, a hesitação, e assim por diante.



Para conseguir ler, deve-se, pois, decifrar foneticamente a escrita, processá-la para a fala e realizar todas as etapas necessárias para a produção do que se vai dizer, da maneira como se vai dizer. Os outros aspectos evolvidos na leitura, como dissemos antes, estão sendo deixados de lado nas considerações feitas aqui, não porque são irrelevantes, mas por não constituírem objeto de preocupação imediata no processo da produção da fala. Desde o ponto de partida até o de chegada, há muita coisa que deve ser feita, algumas numa sequencia de tempo, produzindo latências variadas em função da complexidade dos fatos envolvidos. Alguns aspectos, como os segmentos e supra-segmentos, além de exigirem tempo para programação, exigem ainda um complicado processo de sincronização.



Apesar de toda a complexidade do problema, as pessoas aprendem a ler com facilidade e perfeição. E nisso não há nada de estranho. Na verdade, aprenderam a fala de 1 a 3 anos de idade, o que na sua globalidade é bem mais complexo e fascinante do que ler. Porém, ler envolve uma complicação do processo de produção de fala, que normalmente não ocorre na fala espontânea, causada pela necessidade de decifração da escrita e programação de produção da fala lida.



É um fato facilmente observável o de que as pessoas aprendem a ler com facilidade e perfeição, mas o próprio ato de aprender a ler constitui uma tarefa muito difícil e delicada.



Se uma criança for introduzida ao processo de leitura (em voz alta) através de uma técnica que a obrigue a processar a leitura por pequenas partes, acompanhando letras na escrita, fazendo com que cada pedaço seja processado e falado como um bloco, o resultado será uma leitura aos trancos e barrancos, muito diferente da fluência normal de quem fala espontaneamente. Por isso, parece-me muito razoável proceder, na iniciação à leitura, de tal maneira que a criança tenha apenas duas etapas independentes de processamento fonético: a decifração fonética da escrita, que será feita visualmente, e a produção oral da fala lida, que será feita depois que a primeira for completamente concluída e de maneira espontânea, como se o leitor fosse dizer de própria iniciativa o que decifrou. Em outras palavras, a criança precisa de todo o tempo necessário para decifrar e analisar a escrita. Depois que chegou a uma conclusão, então diz o que “leu”. À medida que se tornar mais hábil nessa tarefa, irá necessitar de menos tempo entre uma atividade e outra, chegando idealmente ao ponto em que a interpretação visual e a realização falada sejam feitas num espaço de tempo curto, como se espera de uma leitura fluente.



Se nosso sistema de escrita refletisse pelo menos de maneira próxima uma relação unívoca entre letra e som e marcasse os fatos supra-segmentais mais importantes, sobretudo a sílaba e a tonicidade, seria bastante razoável ler por sílabas, ou grupos de acentos frasais, por exemplo. Nesse caso, o leitor seria treinado a produzir uma série de emissões do tamanho de uma sílaba, por exemplo, e a encadeá-las numa velocidade cada vez mais crescente, até produzir uma leitura fluente.



Mas, num sistema de escrita como o nosso, treinar alguém a ler encadeando sílabas (ou mesmo pequenos segmentos da fala...) é obrigar o leitor iniciante a uma atividade terrivelmente complicada. A outra maneira de se iniciar na leitura, como sugerido acima, parece mais razoável.



Sem dúvida alguma, a maneira artificial, silabada, sem ritmo, sem entoação e sem uma realização adequada dos segmentos fonéticos, na fala de muitos alunos no período de alfabetização (e mesmo depois), advém da maneira inadequada com que foram ensinados e treinados a ler. A escola exige que o aluno leia num tempo muito curto, dificultando seu aprendizado e por vezes causando traumas profundos, sobretudo quando o aluno, além das dificuldades fonéticas de produção da fala lida, tem de usar uma pronúncia distante de sua fala, como se estivesse lendo numa língua estrangeira.



A observação aqui feita com relação à leitura não é motivada por, nem pretende envolvimentos com, nenhum método de alfabetização, nem mesmo com o método global, com o qual pode ter alguma semelhança, mas se baseia tão-somente em considerações a respeito das latências na produção da fala e de todo o mecanismo nisso envolvido, que é estritamente de natureza fonética.



À medida que as pesquisas fonéticas dos mecanismos de produção e percepção da fala progridem, fica cada vez mais claro que a fala se processa não por segmentos justapostos, mas por etapas de programação, indo do mais abrangente para o mais particular. Primeiro se programa um pensamento; depois ele é segmentado em unidades de informação que serão montadas sobre os grupos tonais; então se monta o ritmo com os acentos, os pés e as durações das sílabas; sobrepõe-se a isso tudo o tom entoacional, e somente depois disso é que começam a aparecer os comandos específicos aerodinâmicos, fonotários e articulatórios. É claro que se pode reduzir tudo isso a uma única sílaba. Pode-se dizer Sim!, Sim?, Não!..., Não!?... etc. Mas, neste caso, a sílaba é uma unidade de informação completa. O mesmo não acontece quando se ensina a criança a ler silabadamente, ou mesmo palavra por palavra. É por isso que se disse que é preciso dar tempo ao leitor para decifrar a escrita, fazer a programação correta, para depois ler em voz alta, seguindo seu próprio mecanismo de produção de fala.



É bom notar que a leitura silenciosa também se processa da mesma maneira, só que o leitor não cumpre a última etapa, que é dizer em voz alta o que leu. Mas sem todo o processamento descrito antes ninguém lê adequadamente.



A exigência de que o aluno, ao ler, precisa acompanhar os sons, relacionando-os com as letras que vê escritas, é um absurdo e uma violência ao próprio processo natural de leitura. Ninguém faz isso, porque nem sequer a nossa escrita, que se diz alfabética, espera isso, ou melhor, às vezes nem mesmo permite isso. Quem já precisou corrigir textos datilografados sabe muito bem da dificuldade em achar todos os erros simplesmente lendo o texto. As pessoas lêem os textos e não vêem muitos erros de impressão. A escrita, mesmo alfabética, permite a leitura com um razoável limite de redundância. Para identificar uma palavra não é condição indispensável que esta esteja escrita na mais absoluta perfeição gráfica e ortográfica. A grande prova disso é que lemos a escrita cursiva, em que nem uma coisa nem outra se realiza plenamente. E ninguém estranha. Mas, apesar de tudo, a escola continua exigindo que o aluno “leia” sem tirar os olhos das “letras que está lendo”.



Na minha escola primária, o professor exigia eu os alunos lessem “com um olho nas letras que estavam pronunciando e com o outro uma meia linha mais para a frente”, de tal modo que os alunos eram obrigados a fechar o livro antes de acabar de dizer o que estavam lendo no final de cada parágrafo. A interpretação do fato pode não ser verdadeira, mas o exercício é, sem dúvida, interessante.



Finalmente, a escola deve dar chance ao aluno de ler segundo sua variedade de língua e não obrigá-lo logo na primeira leitura a ler no dialeto da escola. Mas, à medida que o aluno vai estendendo o seu treinamento, a leitura pode ser um momento interessante para que ele possa aprender a realização do dialeto da escola.



A escrita ortográfica se presta a leituras em qualquer variedade da língua. Por que, então, não mostrar isso objetivamente, fazendo os alunos lerem em seus diversos dialetos?



BIBLIOGRAFIA



Cagliari, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. 10.ed.São Paulo : Editora Scipione, 1999.p.148 – 166.